segunda-feira, 7 de outubro de 2013

"Soul" música!





No ano em que nasci minha mãe resolveu, por mim, que eu iria ser pianista...
Em atenção a esta resolução, um piano foi comprado... Não qualquer piano, um autêntico Fritz Dobbert...
Pobre menina rica...
Fadada a ter aulas de piano durante anos e anos com uma senhorinha que batia com a régua na mão a cada nota ou andamento errado...
Anos e anos tentando boicotar a senhorinha que, diga-se de passagem, embora não tivesse a didática da coisa, criou uns setecentos filhos e netos músicos e me ensinou a cantar (sim, cantei em algum momento da minha vida, inclusive para o Presidente da República) até conseguir convencer o pai de que não tinha talento para a coisa, muito menos dom...
As aulas cessaram... Não sem uma enorme resistência, alguns chiliques e inúmeras ameaças vindos da minha mãe...
Não é que eu não gostasse de música... Não é que eu não gostasse de piano... É que nunca na vida suportei fazer nada por obrigação... Sempre foi mais forte que eu... E eu me levantaria contra qualquer obrigatoriedade, mesmo que isso resultasse em parar de fazer algo que eu gostasse...
Sim, eu gostava... Me dava enorme prazer fechar os olhos e ME OUVIR...
Saber que aquelas notinhas soltas tinham virado algo concreto... e que estavam vindo de mim...
Durante toda minha adolescência acordei e dormi ouvindo música...
Fui expulsa de sala incontáveis vezes por acabar, sem querer, "puxando" um recital no meio da aula, com direito a batuques de lapiseira e efeitos sonoros de BIC quatro cores...
Cada acontecimento da minha vida logo recebia uma trilha sonora... É assim até hoje, confesso! Sou um ser musical...
Enfim, quando minha mãe desistiu e achou que o piano tinha sido o maior prejuízo da vida, pedi para voltar a fazer aulas...
Não mais com senhorinhas, mas com alguém jovem, moderno, que conseguisse entender minhas "tendências" musicais, ou seja, alguém que não me fizesse tocar Jesus Alegria dos Homens milhares de vezes...
Achamos a professora!
Dava aulas em casa, novinha, linda... Sabe aquela pessoa que você olha e fala: quero ser assim quando crescer?!
Lá fui eu, com todo o material pedido embaixo do braço...
Primeira música que me mandou tocar: Jesus Alegria dos Homens!
Quanta tristeza...
Fiz biquinho, perguntei se era piada...
Ela entendeu e mudamos o rumo da prosa...
Vamos tocar coisas novas! MPB, Bossa Nova... Desde que você também toque Schubert, Chopin e seus amiguinhos...
Trato feito!
Nos demos muito bem!
E passados alguns anos, ela resolveu parar de dar aula...
E agora, José?!
Fui para uma "academia" de piano! Lá tinha que fazer aula teórica, prática, de canto e de solfejo...
Eu, no auge da minha adolescência, tinha que cantar sozinha na frente das pessoas...
Aquilo não tinha como dar certo... 
Eu era envergonhada até dizer chega, mas não deixaria cair minha máscara de descolada... Ninguém diria que eu era tímida, naquela época...
E deu certo!
Até que me enchi de novo e parei tudo! 
Fazer aulas significava, para a minha mãe, que eu tinha que tocar para todo e qualquer elemento que entrasse na minha casa, como se a criatura, realmente, quisesse me ouvir tocar...
Virou obrigação de novo...
Parei!
Cresci...
Tocava só quando tinha vontade... Ou sempre que meu pai pedia...
Hoje só toco quando estou sozinha... Ninguém ouvindo, embora sempre perceba duas cabecinhas espreitando do corredor... Finjo que não vejo a prole ouvindo escondida e eles juram que se escondem super bem...
É nosso segredo...
Semana passada João Pedro deixou escapar que contou para a professora que a mãe é PIANISTA!
PIANISTA!
Nunca fui...
Mas saber que ele tem orgulho de me ouvir tocar foi uma delícia!
Voltei a sentir o prazer que sentia quando mais nova, um enorme prazer ao ME OUVIR...
Voltei a me sentir feita de uma enorme mistura de notas, compassos, pausas e contratempos...
Porque a vida é assim...
Especialmente a minha, que "soul" música...




3 comentários:

  1. E tenho dito!!
    hahahaha

    Muito massa a história!

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  2. A platéia agora é especial!!!
    Parabéns, Deninha! Não sabia que você é pianista (rs).
    Sua mãe fez bem. A música desenvolve o cérebro e amolece o coração...
    :-)

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